1 de novembro de 2008

Resenha do filme Caçador de Pipas

Uma adolescente brasileira pergunta à mãe: que há sobre o filme O caçador de pipas? A mulher responde de imediato: belo filme sobre amizade de crianças, em Cabul. Verdade. Trata-se de uma película, que conta a história emaranhada de dois meninos unidos por estreitos laços de profunda amizade e separados por profundas diferenças raciais: Amir, o menino rico, vivido por Zekeria Ebrahimi, pertence à etnia pashtun, dominante no Afeganistão; Hassan (Ahmad Khan Mahmidzada), filho de Ali, fiel criado do pai viúvo de Amir, é um hazara, minoria xiita de origem mongol. Constituem o terceiro maior grupo étnico do país e se espalham, também, pelo Paquistão e território iraniano, mas são descriminados e considerados escravos ou servos dos demais afegãs. Acompanhe mais na matéria:
No entanto, do diálogo escutado entre as duas mulheres, há muito a acrescentar. O caçador de pipas (The kite runner) vai além. Dirigido por Marc Forster (o mesmo de Em busca da terra do nunca), em 2007, esse drama norte-americano baseia-se no best seller do afegão Khaled Hosseini. Livre das controvérsias que rondam adaptações de livros ao cinema, apesar de condensar o lindo romance de Hosseini em 122 minutos, não deturpa a essência. Ao contrário. Lida bem com a narrativa complexa do livro e explora os momentos mais profundos, que se passam em três longas décadas.
De início, o Afeganistão da década de 70. A tônica, a amizade dos garotos. A paixão por pipas e por contos, que um lê ou simplesmente inventa e o outro escuta (por sua condição de analfabeto) traz à tona universos distintos. E mais, revela a fidelidade-submissão de Hassan e a covardia de Amir, vinda do sentimento de rejeição que sente diante do pai Baba (Homayoun Ershadi), cuja mulher morre ao dar a luz ao filho. E é essa covardia quase insana que impede sua reação frente a estupro cometido contra o amigo, que lutara tão-somente por ele. É essa mesma covardia que o faz viver uma vida de culpa.
A seguir, a invasão dos soviéticos e as atrocidades então cometidas no país, forçam a fuga de Baba e Amir para os EUA. O pai reinicia heroicamente a vida do zero. Amir gradua-se e persegue seu sonho de escritor. Nesse meio termo, casa-se com uma afegã, e enfrenta, com coragem, a doença e morte do pai. Por fim, anos 90, a alegria do primeiro livro editado é interrompida pela notícia de que precisa retornar à terra natal. É a chance única de resgatar a bondade e pagar o preço da traição a Hassan... Enfrenta os horrores de uma nação destruída por incessantes guerras e por atrocidades indizíveis do regime Talibã, agora dono absoluto dos destinos do povo afegão. Salva da destruição o filho do amigo, e descobre, então, Hassan como seu irmão por parte de pai.
De fato, O caçador de pipas nos faz ver as drásticas mudanças dessa gente. Evidencia o peso de preconceitos raciais. Denuncia as atrocidades cometidas em nome de deuses cruéis e vingativos. Porém, demonstra a possibilidade de afetos, que ultrapassam vida e morte. É sempre tempo e há sempre espaço para o amor. A força de O caçador... também se faz sentir nas reações que acompanharam as gravações e seu lançamento. Ainda que recorrendo a atores de Cabul, por motivos de segurança, a película foi filmada na China e algumas cenas, nos EUA.
Agora, quando da divulgação e de seu êxito mundo afora, os atores mirins são retirados às pressas do Afeganistão para evitar perseguições, diante da proibição rigorosa do filme. O Governo alega que semeia imagem negativa do país. Alegamos, nós, leitores de Khaled Hosseini e espectadores de Marc Forster, que O caçador de pipas semeia sentimentos nobres. Afinal, amor, amizade e redenção são tópicos vivenciados por seus personagens em meio à beleza de pipas que empinam e lutam com bravura multicolorida para se manter em céus nem sempre coloridos ou nem sempre azuis.

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